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Em primeiro lugar, que publicação é a Beyond? Tem um aspecto de livro mas é composto por textos vários, não um só texto contínuo, ou um conjunto de textos que componha uma totalidade. É um bookazine, um formato híbridoque reúne em si partes de revista, de comic-book, de livro. Faz recordar algumas tentativas neste formato como o foi a Fisuras, que, animada nos anos 1990 por Federico Soriano, procurava (como o nome traz implícito) espaços entre campos que naqueles momentos interessavam a algumas investigações sobre a forma em arquitectura, ou, mais recentemente, a Any e a sua herdeira Log, espaços de operações da Anyone Corporation, dirigidas por Cynthia Davidson e centradas no meio académico norte-americano.
     A Beyond, como estas (e outras), é uma publicação que não participa de uma concepção clássica da revista de arquitectura enquanto espaço de apresentação e discussão de obras ou projectos, e não se organiza com um programa temático previamente definido (condição de caducidade nos tempos que correm) nem é dirigida à discussão e investigação disciplinar. Será um espaço que procura reunir “radicais livres”, termo biológico que define entidades formadas difíceis de reunir num sistema. É uma publicação mais informal no formato e na proposta editorial pelo que, naturalmente, alberga uma grande variedade de conteúdos, desde logo pelo desejo inicial de cruzar campos distintos (da Literatura à Arquitectura, passando pelo Design ou a Filosofia, etc.), mais ainda pelo facto de o estado de indeterminação formal (quanto a géneros literários ou tipos de texto) com que a Beyond se apresenta permita, ou exija, um tipo de texto igualmente com a forma em aberto. O seu subtítulo – Shortstories on the Post-Contemporary – nomeia espaços por definir para os quais provavelmente virão a existir temas e formas de texto que os ve-nham a constituir, o que quer que venham a ser nestes contextos as shortstories. O único género literário abertamente ausente é o projecto (e a obra) de arquitectura o que induz a um afastamento em relação à possibilidade (mesmo que só como tal) de suportar com o seu peso disciplinar uma participação útil e substancial num debate aberto em torno das coisas que nos rodeiam (para usar um lema de uma marca de lifestyle).
     Nos três números já editados reúnem-se novelas gráficas, impressões da realidade da vida nas cidades, deslocações de contextos, registos de observação do meio da arquitectura visto de fora, interpretações das observações exteriores à arquitectura vistas por dentro dela mesma, impressões desde a blogosfera, impressões sobre a arquitectura enquanto fenómeno cultural, político ou social, reimpressões de textos que estabelecem uma genealogia por onde a Beyond se pode ir cartografando1. O todo é interessante e promissor, é um campo aberto e é um campo que nos desloca para fora da discussão arquitectónica como exposição de habilidades, num momento em que é para isso que a codificação e simplificação dos discursos e reflexões publicadas sobre arquitectura nos conduz, na condição da tensão se manter, de se recusarem novas habilidades em substituição de outras que, por envelhecimento, ou saturação, se vão tornando obsoletas. Mantém-se em aberto o futuro do futuro da Beyond, e mantém-se a expectativa de não se fazer dela doutrina.
     Pode entender-se Beyond como um prefixo dos temas que cada número enuncia; assim, no primeiro número estaremos Beyond Scenarios and Speculations2, no segundo Beyond Values and Symptoms e, no terceiro, Beyond Trends and Fads, ou seja em cada tema espera-se que nos posicionemos sempre para além dele mesmo, para a frente, para os lados ou noutra direcção. Os temas propõem-se como mapeamento de um tempo que, para a arquitectura ainda não aconteceu, um arch-fiction, por assim dizer, que encontra na enorme sombra projectada pelas diversas actividades de Rem Koolhaas um espaço de afinidades de cultura, não sendo a isso alheio o facto de esta ser uma publicação holandesa, ainda que dirigida por um editor português. Se há alguma coisa que reúna Pedro Gadanho com o universo OMA-AMO esse será o desejo de deslocação da arquitectura para fora da sua zona de conforto, um desejo de confronto com a sua tradição disciplinar e uma profunda descrença na sua autonomia como princípio operativo numa discussão alargada a outros campos. A arquitectura vista assim é uma arquitectura para além dela própria, que se estica, que se desloca, que desliza e que se adapta a um meio social, cultural, e político ao qual, nos dias que correm, já nem sequer isso lhe exige; é por isso um esforço de sobrevivência darwiniana na mais pura tradição moderna.
     Post-Scriptum: Vamo-nos habituando, felizmente, a ver publicados em meios de difusão estrangeiros obras e projectos de arquitectos portugueses, o que será um sinal importante da relevância da produção arquitectónica que por cá se faz; no que se refere à produção teórica ou crítica, a nossa participação além-fronteiras evidencia o desinteresse e a irrelevância que lhe dedicamos cá dentro; portanto, sem a alegria serôdia de vermos o nosso lá fora, salienta-se o facto de uma publicação holandesa de ambição internacional ter como editor um cidadão português.|

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1 Georg Simmel e Superstudio são já formas cartograficamente bastante precisas, veremos o que se seguirá.

2 Tenho de confessar que me incomoda um pouco este uso das palavras como conceitos, como baliza de um universo, como marca. Compreendo a sua utilização e reconheço a sua utilidade mas aflige um pouco um mundo de ideias assim tão organizado, tão eficaz, sem ambiguidade de sentidos e sem descrições mais longas, menos certas sobre o objecto que se descreve; enfim, acredito que estas balizas sejam importantes para quem se desloca num campo aberto e a grande velocidade.|

 



 


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